Branqueamento e burla. Duarte Lima condenado a dez anos de prisão
Num ano em que já foram condenados três ex-políticos, tribunal decretou ontem a prisão do ex-líder parlamentar do PSD Duarte Lima e do seu sócio, ex-deputado do mesmo partido, Vítor Raposo
Duarte Lima foi ontem condenado a 10 anos de prisão no processo BPN/Homeland, pelos crimes de branqueamento de capitais e burla qualificada e o seu sócio Vítor Raposo, também ex-deputado do PSD, a seis anos pelo crime de burla qualificada.
Os dois juntam-se assim aos três ex-políticos já condenados este ano no âmbito de outros processos - os antigos ministros socialistas Armando Vara e Maria de Lurdes Rodrigues e ainda José Penedos, que foi secretário de Estado. Mas o colectivo da 7.a Vara Criminal de Lisboa, presidido pela juíza Filipa Valentim, considerou que Lima e Raposo não burlaram sozinhos o BPN na compra de terrenos em Oeiras em 2007.
Também João Almeida e Paiva e Pedro Almeida e Paiva, advogados, foram condenados por cumplicidade neste crime e ainda por falsificação de documentos - 4 anos de prisão e 2 anos e meio de prisão suspensa respectivamente.
João Almeida e Paiva representava os herdeiros que queriam vender os terrenos e aceitou que na escritura fosse colocado 22 milhões de euros, quando o preço de venda foi 5 milhões. O objectivo era, segundo o tribunal, enganar o Banco Português de negócios e fazer com que o Fundo imobiliário Homeland - financiado por este banco - pagasse mais pelos terrenos do que o que eles tinham custado na realidade a Duarte Lima e Vítor Raposo. "Encenaram um negócio para enganar os responsáveis do BPN e obter ganhos pessoais", referiu a juíza Filipa Valentim
Outro dos condenados foi Francisco Canas, isto, porque o tribunal considerou que foi uma peça chave para que Duarte Lima conseguisse branquear o dinheiro que ficou para si resultante deste negócio ilícito - mais de 3 milhões de euros.
Na prática, Lima entregou este dinheiro a Canas para que o mesmo fosse colocado numa offshore fora do país. "Francisco Canas fê-lo mesmo sabendo que a origem [do dinheiro] era ilegal, pactuou colocando o dinheiro em outras praças mediante o pagamento de 1% do valor transferido", adiantou a magistrada.
O tribunal condenou por isso o dono da casa de Medalhas da rua do Ouro a 4 anos de prisão por branqueamento de capitais.
Pedro Lima foi quem assinou vários documentos no âmbito deste negócio mas foi o único absolvido, uma vez que o tribunal considerou ter ficado provado que apenas agia como testa de ferro do seu pai, Duarte Lima. "Pedro Lima não sabia pormenores deste esquema, limitou-se a assinar o que o seu pai lhe pedia", refere o acórdão.
Além disso, Duarte Lima, Vítor Raposo e os irmãos Almeida e Paiva terão de restituir ao BPN o montante em que o banco foi lesado. O cálculo é simples: desconta-se o valor real actual ao valor pago pelo banco (22 milhões).
Após a leitura do acórdão a presidente do colectivo mandou os arguidos se levantarem e disse que o tribunal lamentava a atitude que tiveram durante o julgamento: "O tribunal considera que tudo o que aconteceu e o que fizeram é condenável. O tribunal lamenta a postura de não colaboração de nenhum dos senhores", sobretudo "tendo em conta que representaram o país e exerceram cargos de muita responsabilidade."
O CASO O fundo imobiliário Homeland está no centro de todo este caso. Foi constituído em 2007 para a aquisição de terrenos em Oeiras "com grande expectativa de valorização em futuro próximo" e era detido em 85% (8,5 milhões de euros) por Pedro Lima - filho de Duarte Lima -, e Vítor Raposo, e ainda em 15% pelo Fundo de Pensões do BPN.
Porém, a compra das unidades participativas dos dois arguidos foi também ela suportada por créditos contraídos junto do BPN - facilidades concedidas por Oliveira e Costa, à data presidente do conselho de administração do BPN.
Mas tanto Pedro Lima como Raposo terão pago as suas partes, ou seja, 8,5 milhões no total, com recurso a contas a descoberto no BPN. Ou seja, ainda que o BPN só detivesse 15%, entrou com o total do capital para a criação deste fundo. Além disso, o pagamento dos descobertos foi feito, não com dinheiro dos próprios, mas com dinheiro do BPN.
Isto porque, depois de criado o fundo Homeland, foram pedidos 22 milhões para a compra dos terrenos de Oeiras, que afinal foram adquiridos por 5 milhões, e com o remanescente foram pagos os 8,5 milhões de euros em dívida ao BPN.
Além dos 8,5 milhões usados para pagar as suas participações, ainda sobraram 8,5 milhões que não regressaram ao fundo e que terão ido parar a contas dos arguidos e para pagar pagar contrapartidas aos advogados dos herdeiros Neta Franco - João e Pedro Almeida e Paiva. No total tais contrapartidas ascenderam os 620 mil euros.
Fora os 23 milhões usados para comprar o conjunto de sete terrenos da família Neta Franco, outras 27 fracções foram também compradas pelo fundo por 25 milhões à família Canas, o que significa que o banco pagou 47 milhões, quando na prática a totalidade dos terrenos custou 30 milhões aos arguidos. O colectivo considerou por isso que se tratou de um "negócio calamitoso".
OS ARGUIDOS A juíza Filipa Valentim fez ontem uma descrição dos vários arguidos e do próprio BPN de Oliveira Costa que vivia em 2007 "num clima de promiscuidade", o que pode justificar que não tivesse havido um controlo mais rigoroso neste esquema "que põe em causa a imagem de Duarte Lima".
A presidente do colectivo disse ainda que ao longo de todos os meses de julgamento que Lima se tentou "demarcar das daquilo que foram as negociações da compra dos terrenos, empurrando essa parte para o sócio Vítor Raposo [...] sobre o qual tem um grande ascendente".
A defesa de Duarte Lima alegou durante todo o julgamento que o cliente não tinha antecedentes criminais, mas a juíza Filipa Valentim desvalorizou ontem esse ponto, lembrando que tal não pode ser considerado uma atenuante, mas sim um "dever de qualquer cidadão".
Durante a leitura do acórdão, foi ainda referido que ao contrário do defendido pela defesa, "a conduta dos dois arguidos ultrapassou os limites do risco inerente aos negócios imobiliários".
Sobre Pedro Lima, o tribunal disse não ter dúvidas de que foi usado em todo esta teia, uma vez que durante o julgamento mostrou ter "imaturidade para a sua idade, o que até [causaria] algum desgosto ao seu pai".
OS TRÊS CRIMES QUE CAÍRAM Duarte Lima estava acusado de outros dois crimes de burla qualificada e um de abuso de confiança que o tribunal considerou não terem ficado provados. Um dos crimes que não ficou provado foi a venda de acções da SLN ao seu sócio Vítor Raposo, por cerca de 1 milhão de euros, sem que este alegadamente soubesse a quem pertenciam.
A situação que levou ainda o MP a considerar que se poderia estar perante um crime de abuso de confiança. O outro crime de burla que o colectivo considerou não ter ficado provado tem que ver com aplicações financeiras que Duarte Lima tinha no banco Safra também com Vítor Raposo.
O tribunal defendeu sempre que o sócio de Lima disse não se sentir lesado com a actuação de Duarte Lima, e considerou que a ascendência do ex-líder parlamentar do PSD era tanta que Raposo chegou a descrevê-lo "como um pai".
REACÇÕES À saída do tribunal, Duarte Lima disse que a decisão do colectivo espelhava o que "foi posto no espaço público" e não "a verdade dos factos". Domingos Duarte Lima adiantou ainda que "se este negócio correu mal foi pela crise e pela derrocada do BPN". Disse mesmo não aceitar "ser o símbolo do colapso do BPN".
Sobre o acórdão, frisou que este tem "profundos erros jurídicos e de facto". Ainda que considere a sua condenação "brutal e injusta", confessou estar feliz pela absolvição do filho: "Tenho muito amor e muito orgulho por ele."
A defesa de todos os arguidos, à excepção da de Pedro Lima, já anunciou que irá recorrer. A de Duarte Lima, liderada por Raul Soares da Veiga, e Paulo Saragoça da Matta, advogado dos irmãos Almeida e Paiva pediram audiência no Tribunal da Relação de Lisboa.
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