A solitária e o mulherengo


Dilma Rousseff e Aécio Neves, os dois candidatos à presidência do Brasil, divergem em quase tudo, da idade à ideologia, mas têm outra coisa em comum além de terem nascido em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, onde ambos encerraram a campanha para as eleições de hoje, domingo. Os rivais casaram-se por duas vezes e não impediram que a carreira política tivesse impacto na vida familiar.


Sobretudo Dilma, de 66 anos, que conheceu o primeiro e o segundo maridos em organizações de guerrilha que lutavam contra a ditadura militar. Períodos de clandestinidade marcaram o seu matrimónio com Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, celebrado em 1967, após um ano de namoro. Mas a distância separou os militantes do Comando de Libertação Nacional, divorciados em 1969.
  Nesse mesmo ano, Dilma Vana Rousseff, filha de um empreiteiro emigrado da Bulgária e de uma professora brasileira, voltou a casar-se, com Carlos Franklin Paixão de Araújo, que tinha conhecido numa reunião da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, resultado da fusão de grupos de extrema--esquerda que advogavam a luta armada. "Tivemos logo uma grande paixão. Ela era uma mulher muito bonita", disse ele à Globo em 2010, pouco antes de a ex-mulher, uma década mais nova, ser eleita presidente.
O segundo casamento da jovem educada em colégios de freiras com um advogado que falara com Fidel Castro e ‘Che’ Guevara esteve longe de ser descomplicado. Pouco tempo ficaram juntos, pois Dilma foi detida pela polícia política em janeiro de 1970, quando estava em São Paulo, e tinha armas escondidas debaixo da cama. Submetida a sessões de espancamento e choques elétricos em diversos cárceres do exército brasileiro, Dilma recordou em 2001, num depoimento ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais, momentos arrepiantes, como aquele em que as torturas provocaram uma hemorragia no útero. "Deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia", relatou.
SEM TEMPO PARA A FILHA
Dilma não denunciou o marido nesses interrogatórios, o que não impediu Carlos Franklin Paixão de Araújo de ser capturado. Afastados devido à infidelidade do marido, conseguiram a reconciliação nas mais insólitas circunstâncias: durante as visitas íntimas a que tinham direito no presídio Tiradentes, em São Paulo, onde combinaram retomar a vida conjugal quando terminasse a detenção. Libertada em 1973, Dilma foi para a casa dos sogros, em Porto Alegre, perto do presídio de onde o marido só saiu no ano seguinte, uma semana depois da morte do pai.
O casal trabalhou junto na campanha de um candidato do Movimento Democrático Brasileiro, o único partido de oposição legalizado, e Dilma entrou para o curso de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – tinha sido expulsa da Universidade Federal de Minas Gerais devido à militância política –, que concluiria em 1977.
Antes disso, teve a sua única filha, Paula Rousseff Araújo, nascida em março de 1976. Questionado pela Globo sobre o motivo da falta de irmãos, Carlos Araújo foi de uma honestidade desarmante: "Militávamos demais. Já para dar conta de um filho... Nunca fomos bons pais, na verdade. Não conseguíamos dar muita atenção, como a Paula merecia. Passávamos o dia militando, então não cogitámos mais filhos."
A fase seguinte da carreira política da primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil deu-se à sombra das ambições do marido. Filiado no Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Leonel Brizola, Carlos Araújo foi eleito deputado estadual três vezes. Pelo contrário, nunca conseguiu chegar a prefeito de Porto Alegre, acabando derrotado por Olívio Dutra e Tarso Genro, futuros correligionários da mulher no Partido dos Trabalhadores (PT).
O casamento sofreu um forte abalo em 1994, quando Dilma tomou conhecimento da gravidez de uma amante do marido. Nasceu um rapaz no ano seguinte, mas o casal conseguiu nova reconciliação, permanecendo juntos até 2000.
Esse foi um ano de mudança para a política brasileira, que já tinha no currículo a experiência de secretária da Fazenda da prefeitura de Porto Alegre e de secretária estadual de Energia, Minas e Comunicações do Rio Grande do Sul. Manteve a pasta após a filiação no movimento fundado por ‘Lula’ da Silva. E quando o ex-metalúrgico foi eleito presidente do Brasil, em 2002, convidou-a para ministra das Minas e Energia, pasta em que ganhou a fama de ser "a pessoa mais democrática do Mundo, desde que se concorde a 100 por cento com ela".
O escândalo de corrupção do ‘Mensalão’ atolou na lama vários pesos pesados do PT, abrindo o caminho para a ascensão da recém-chegada. Foi ministra-chefe da Casa Civil entre 2005 e 2010, e escolhida como candidata presidencial no mesmo ano.
Casada com o poder, Dilma poupou a comunicação social à utilização da palavra primeiro-cavalheiro. Tudo indica que assim continuará mesmo que saia vencedora, acrescentando quatro anos à dúzia de domínio do PT.
COM FAMA DE PLAYBOY
Se o vencedor for o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ouvir-se-á choro de criança em Brasília. Talvez não no Palácio do Planalto, onde Aécio Neves passará o horário de expediente a tentar cumprir as promessas eleitorais, mas decerto no Palácio da Alvorada, residência oficial do Chefe de Estado. O político de 54 anos foi pai de gémeos em junho, juntando Júlia e Bernardo a Gabriela Falcão Neves, de 23 anos, nascida do primeiro casamento, com a advogada Andréa Falcão.
E o Brasil voltará também a ter primeira-dama, a ex-modelo Letícia Weber, de 35 anos, que conheceu o então governador de Minas Gerais em 2007 – embora haja quem garanta que o encontro com a beleza gaúcha ocorreu oito anos antes, mesmo assim depois do fim do primeiro casamento de Aécio –, acabando por casar-se em 2013. "Aécio é um homem de alma leve, de bem com a vida e feliz com o que faz", disse a mulher, numa rara entrevista.
Ser loura e natural de Rio Grande do Sul são características que Letícia tem em comum com alguns dos outros ‘interesses românticos’ do candidato ‘tucano’ – ave que está no símbolo do PSDB –, desde sempre visto como um mulherengo. No rol dos seus mais ou menos confirmados affaires estão a modelo Gisele Bündchen ou a atriz Ana Paula Arósio. Mas nenhuma foi tão influente quanto a irmã mais velha do político, Andréa Neves, uma ex-dirigente estudantil que é a sua mais próxima conselheira.
Por entre muitas fotografias de beijos e outras demonstrações públicas de afeto, o candidato à presidência do Brasil carrega a sombra da denúncia, feita em 2009 pelo colunista Juca Kfouri, de que teria agredido a então namorada durante uma festa no Hotel Fasano, no Rio de Janeiro. Não por acaso, a campanha de Dilma lançou um vídeo em que o opositor é apresentado como agressivo para com as mulheres. Apesar de a violência ser verbal, num debate com a candidata presidencial Luciana Genro, o Tribunal Superior Eleitoral impediu a divulgação do vídeo.
A fama de playboy descontrolado tem sido explorada nos últimos dias. Num debate, Dilma perguntou a Aécio se defendia medidas mais severas contra automobilistas embriagados, levando o rival a responder que ela estava a referir-se, de forma indireta, ao episódio, em 2011, em que o agora senador pelo estado de Minas Gerais recusou fazer um teste de alcoolemia. Ainda durante a campanha, o candidato do PSDB foi confrontado com rumores de que consumiu cocaína. Não confirmou, admitindo fumar marijuana aos 18 anos.
Para o neto de Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse como presidente brasileiro, após a redemocratização de 1985, entrar no Palácio do Planalto é o último passo de uma longa carreira política. Formado em Economia, foi deputado federal, governador e senador. Não conseguiu ser candidato presidencial em 2010, mas depois da derrota de José Serra foi apontado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o mais capaz de derrotar o PT, hegemónico desde o fim dos seus mandatos. Dentro de poucas horas saber-se-á se teve sucesso.

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