A incrível história da descoberta do ébola

O investigador belga Peter Piot fez parte da equipa de investigação que descobriu o ébola

Um dos homens que descobriu o ébola fala sobre as parcas condições de segurança que existiam na altura, em meados da década de 1970: "Não tínhamos ideia de que [o vírus] se transmitia através de fluidos corporais". Um dos frascos que continha o vírus chegou mesmo a cair e partiu-se nos pés de um dos investigadores.

Corria o mês de setembro de 1976. Num desses dias, chegava a uma equipa do Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia, pela mão de um piloto da companhia belga Sabena Airlines, um pequeno recipiente térmico e uma carta. A carta, escrita por um médico que estava no Congo, explicava o que se encontrava dentro do recipiente: uma amostra de sangue de uma freira que contraíra uma doença desconhecida na cidade de Yambuko. O médico pedia-lhes para testar se a doença seria febre-amarela.

Nessa equipa que recebeu a carta e que viria a descobrir aquele que ficaria conhecido como o vírus do ébola estava o investigador belga Peter Piot. "Não fazíamos ideia quão perigoso era este vírus", contou recentemente à revista alemã "Der Spiegel", numa entrevista recuperada esta semana pelo jornal britânico "The Guardian".
Nessa altura, "não existiam laboratórios de alta segurança na Bélgica". Portanto, para as análises "vestíamos apenas os nossos fatos brancos de laboratório e luvas protetoras". E chegaram inclusive a deixar cair um dos frascos aos pés de um dos investigadores. O frasco despedaçou-se, mas acabariam por desinfetar tudo e, felizmente, "nada aconteceria a nenhum" deles. 
Quando o vírus lhes chegou às mãos, os investigadores pouco ou nada sabiam sobre a forma de contágio - o que os levou, muitas vezes, a não tomar todas as precauções necessárias. "Era claro para nós que estávamos a lidar com uma das doenças infecciosas mais mortais que o mundo já tinha visto - e não tínhamos ideia que se transmitia através de fluidos corporais!", sublinha o investigador, que assumiria mais tarde posições de relevo nas Nações Unidas e na Organização Mundial de Saúde.
Da epidemia à catástrofe
Quando finalmente afastaram a hipótese de febre-amarela e descobriram o vírus, pensaram: "'Mas que raio é isto?' O vírus à volta do qual tínhamos passado tanto tempo a investigar era muito grande, muito longo e em forma de lagarta. Não tinha nada que ver com a febre-amarela", recorda Piot.

Pelo contrário, "parecia-se muito com o vírus de Marburg, extremamente perigoso, que, como o ébola, causava febre hemorrágica" e que tinha provocado grandes epidemias na década de 60. A nova descoberta, por sua vez, roubaria o nome a um afluente do rio Congo: o ébola.  
Mais tarde, e ao descobrirem a forma de propagação, acabariam por se aperceber que, no Congo, as freiras que trabalhavam no hospital em Yumbuko não usavam agulhas esterilizadas. Tentaram avisá-las do erro que estavam a cometer. "Olhando para trás diria que fomos demasiado cuidadosos na escolha das palavras. As clínicas que não cumpriram as regras de higiene funcionaram como catalisadores dos surtos de ébola (...). Mesmo no atual surto de ébola na África ocidental, os hospitais tiveram infelizmente este papel infame no início."
Apesar de tudo, o cientista belga sempre pensou que o ébola não representava um desafio tão grande como a SIDA ou a malária, porque os surtos eram curtos e lozalizados. Contudo, em junho de este ano "apercebi-me que havia algo de muito diferente neste surto". Já não era circunscrito, ocorria em países maiores, com grande mobilidade de pessoas - o que acabaria por facilitar a sua propagação.
O surto que vivemos atualmente - e que, com o caso de contágio em Madrid, já escapou ao controlo do continente africano - é mais do que uma simples epidemia, assegura Piot. "Isto deve ficar claro para todos: isto não é apenas uma epidemia. É uma catástrofe humanitária. Não necessitamos apenas de cuidados de saúde, mas também especialistas em logística, camiões, jeeps e produtos alimentares. Uma epidemia como esta pode desestabilizar regiões inteiras. Tenho esperança que consigamos controlá-la. Nunca pensei que pudesse chegar a este ponto."  


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