Infarmed “a dias” de conseguir acordo para hepatite C


Cinco maiores hospitais vão interpor providência cautelar à farmacêutica. Grupo de doentes também vai apresentar acção judicial

O presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) acredita que "nos próximos" dias se possa chegar a um acordo com a farmacêutica norte-americana detentora de um fármaco inovador para a hepatite C, com taxas de cura superiores a 90%, mas que ainda não foi aprovado por custar 42 mil euros por doente. As declarações de Eurico Castro Alves são feitas no mesmo dia em que se soube que os cinco maiores hospitais do país vão avançar com uma providência cautelar contra a Gilead Sciences, precisamente devido ao valor pedido.


Eurico Castro Alves, que falava aos jornalistas durante uma conferência de imprensa relacionada com a retirada de alguns genéricos do mercado português, ressalvou que a acção judicial é uma “iniciativa da responsabilidade dos próprios hospitais”, mas que disse compreender. Os hospitais de São João, Santo António, de Santa Maria, de São José e o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, segundo diz o Jornal de Notícias desta quarta-feira, invocam na acção o abuso de posição dominante por parte da farmacêutica, que consideram hostil. O responsável disse esperar que o acordo chegue rápido para resolver o problema de todos. Se o Estado assegurar um valor mais baixo o mais provável é que a acção em tribunal não avance.

O presidente do Infarmed assegurou que estão “extremamente preocupados e focados na resolução deste problema”, que se arrasta há um ano, altura em que a Agência Europeia do Medicamento aprovou a entrada no mercado do Sofosbuvir. Até agora têm estado a ser tratados apenas os casos de risco iminente de vida, de acordo com os critérios definidos com um conjunto de peritos, que abrangem apenas os casos de falência hepática ou de cirrose avançada. Castro Alves recordou que Portugal liderou uma acção conjunta europeia para tentar baixar o preço do medicamento. Mas perante o facto de muitos países já terem entretanto aprovado a comparticipação, reconhece que Portugal dependerá agora de uma negociação individual.

“Temos 13 mil doentes identificados e recenseados a precisarem de ser tratados e é uma prioridade deste Governo e do Ministério da Saúde resolver este problema o mais rapidamente possível. Estou convencido, com muita esperança, que podemos estar muito perto de conseguir um acordo com a farmacêutica que detém o medicamento. A empresa tem dado notas de boa-vontade. É uma empresa que depende de decisões que são tomadas a nível central nos Estados Unidos e não tem total autonomia para decidir em Portugal”, notou Eurico Castro Alves – numa mudança de discurso em relação às afirmações que tem feito nos últimos meses, em que denunciou o “preço imoral” do fármaco e a proposta de “valores inaceitáveis e insustentáveis” por parte da Gilead.

Castro Alves destacou também como atitude positiva da farmacêutica os 100 tratamentos que decidiu oferecer em Janeiro, enquanto decorrerem as negociações, para que se possam tratar “os casos mais graves” e insistiu que “será entendida a nossa realidade económica”. A oferta coincidiu com a aprovação de um outro medicamento inovador para a hepatite C, com taxas de cura semelhantes, mas da AbbVie, também norte-americana. Sobre esta coincidência de datas, em resposta ao PÚBLICO, o presidente do Infarmed referiu que “são políticas comerciais” que o regulador não pode comentar, até para não “contaminar o processo negocial”. Sobre o preço a que se pode chegar, disse não poder ainda avançar nenhuma informação.

O anúncio do presidente do Infarmed não terá, porém, influência na intenção já avançada por treze doentes com hepatite C que continuam decididos a  entregar, no início de Fevereiro, uma providência cautelar contra o  Ministério da Saúde, para que lhes seja concedido o tratamento com o Sofosbuvir, como adiantou o Diário de Notícias.

“Esta história das negociações já se arrasta desde Setembro e o Infarmed, mesmo que consiga um acordo sobre os preços com o laboratório, pode continuar a levantar problemas aos doentes”, explicou ao PÚBLICO Ricardo Candeias, o advogado que está a representar este grupo de pacientes. Ricardo Candeias pondera mesmo a hipótese de apresentar uma queixa judicial pelo crime de omissão de auxílio, alegando estes doentes estão "numa fase da doença em que já há um risco considerável para a sua saúde”.

O objectivo da providência cautelar é obrigar o Ministério da Saúde a facultar aos doentes o acesso a estes tratamentos que “têm uma taxa de sucesso elevadíssima e apenas não estão a ser fornecidos por razões orçamentais”, acrescentou o advogado. A providência cautelar é liderada por Paulo Oliveira, doente que está a ser seguido no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra , em conjunto com pacientes que estão em tratamento noutros hospitais do país, de Lisboa e do Porto. 

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