Novo teste para avaliar dificuldades cognitivas na doença de Alzheimer chega a Portugal
Um estudo da Universidade do Porto acaba de tornar disponível um novo teste de rastreio de dificuldades cognitivas típicas das fases iniciais da doença de Alzheimer, uma ferramenta que pode ajudar clínicos a diagnosticarem melhor a doença e a sua evolução.
Embora as dificuldades de memória sejam o sintoma mais conhecido da doença de Alzheimer, outras alterações estão também tipicamente presentes desde fases iniciais da doença. Estas incluem dificuldades nas chamadas funções executivas, um conjunto de capacidades cognitivas superiores essenciais para o funcionamento normal no dia-a-dia, envolvendo aspectos como o planeamento de acções, a resolução de problemas, a atenção ou a realização de tarefas novas e desafiantes.
Alguns estudos indicam que estas dificuldades podem estar presentes ainda antes das dificuldades de memória serem significativas, pelo que a sua identificação constitui um elemento importante durante o processo de diagnóstico.
Os investigadores Helena Moreira, César Lima e Selene Vicente desenvolveram um estudo de adaptação e validação para a população portuguesa de um teste neuropsicológico que permite rastrear défices nas funções executivas, o Institute of Cognitive Neurology (INECO) Frontal Screening (IFS), desenvolvido originalmente em 2009 por um grupo de investigadores argentinos.
É um teste de administração simples e rápida (cerca de 10 minutos), avalia diferentes componentes das funções executivas e a versão original deu provas de permitir identificar de forma eficiente a presença de demência, assim como de distinguir entre tipos de demência.
A versão portuguesa e os resultados do estudo de validação, que incluiu uma amostra alargada de pessoas saudáveis e uma amostra de doentes de Alzheimer, foram publicados no último número do Journal of Alzheimer’s Disease.
Fica assim disponível uma nova ferramenta para a utilização por parte de clínicos e investigadores em Portugal, que se espera poder contribuir para o processo de diagnóstico desta doença, bem como para a avaliação da sua evolução.
O processo de adaptação e validação do IFS foi realizado com recurso a uma amostra de 204 pessoas saudáveis, que permitiu estabelecer níveis normativos de desempenho para pessoas de diferentes idades e níveis de escolaridade, e a um grupo de 21 doentes previamente diagnosticados com doença de Alzheimer em fase inicial, seguidos no Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga.
Além deste teste, aos pacientes foi ainda administrada uma bateria de avaliação detalhada, que incluiu outras medidas já bem estabelecidas de funções executivas, o rastreio de dificuldades cognitivas globais e a avaliação de sintomas de depressão. A versão portuguesa do IFS mostrou-se capaz de diferenciar com precisão indivíduos saudáveis de pacientes com doença de Alzheimer em fases iniciais.
O grupo de doentes obteve um desempenho significativamente inferior ao dos saudáveis, mesmo depois de controlados aspectos como idade, níveis de escolaridade, dificuldades cognitivas globais e depressão. Adicionalmente, este teste, embora de administração simples e rápida, apresentou valores altamente correlacionados com outros testes já bem estabelecidos de avaliação das mesmas funções, o que reforça a sua validade.
Os resultados deste estudo, além de constituírem um contributo directo para a prática clínica ao disponibilizarem uma nova ferramenta de avaliação, acrescentam evidência para a necessidade de considerar que outras capacidades cognitivas para além da memória podem estar comprometidas desde o início da manifestação clínica da doença de Alzheimer.
Estas alterações podem contribuir para as dificuldades experienciadas pelos doentes no dia-a-dia em tarefas como a gestão do dinheiro, dos medicamentos, ou na conclusão de actividades em casa ou no trabalho.
A doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa de elevada prevalência. Em Portugal, estima-se que 90.000 pessoas padeçam desta patologia e espera-se que o número continue a aumentar. É a causa mais comum de demência a nível mundial, sendo a idade avançada o principal factor de risco.
Actualmente, não é ainda possível prevenir ou curar a doença. O seu diagnóstico é um processo complexo que envolve uma série de testes e avaliações (e.g., testes laboratoriais, história médica), sendo a avaliação das dificuldades cognitivas através de testes neuropsicológicos um dos elementos a considerar.
Este estudo foi realizado no âmbito de uma colaboração entre a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto – FPCEUP (Grupo de Neurocognição e Linguagem do Centro de Psicologia e Consulta de Neuropsicologia) e o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga.
A consulta de Neuropsicologia está integrada no serviço de consultas de Psicologia da Saúde da FPCEUP e desenvolve actividade clínica no âmbito da avaliação e reabilitação neuropsicológica.
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